2 de junho, de Adriana Calcanhotto
Em agosto de 2020, dois meses após a morte de Miguel Otávio, criança de cinco anos que morreu ao cair do nono andar de um edifício no Recife, por negligência da patroa de sua mãe, Adriana Calcanhotto traduziu a revolta e a indignação do Brasil com o caso ao compor a música 2 de junho:
Nunca uma canção foi tão dura de ser feita para mim, nunca tive esse tipo de emoções e sentimentos durante uma composição. Eu não consegui lidar bem com a história do Miguel. Este episódio tem contido tantos outros sintomas de racismo extremo, corrupção, desigualdade do Brasil... O Brasil no seu pior está retratado nesse episódio. A partir do dia 2 de junho eu não consegui mais não pensar, não consegui comer... Eu fiz a canção porque não consegui não fazê-la. [...] O trecho mais difícil para mim é a hora que dá esse número “59 segundos antes de sua mãe voltar”. Eu acompanhei todo o vídeo que foi analisado pela polícia, com a marcação dos tempos e você vai vendo os acontecimentos todos… Então, ele cai no momento que ela volta. É uma diferença de 59 segundos entre a partida dele e a chegada dela. [...] Foi muito difícil de fazer. Foi muito difícil construir a canção, de ver essas frases. A canção começa de forma jornalística. Só dou fatos. Eu não adjetivo nada e a história se dá do jeito que foi.
DERIVAS ANALÍTICAS agradece a Adriana Calcanhotto, que gentilmente nos autorizou a publicação da letra da música 2 de junho e a exibição do vídeo com sua apresentação (direção e montagem: Murilo Alvesso, licenciado para o YouTube por The Orchard Music ‒ em nome de Minha Música; Sony ATV Publishing associação de direitos musicais). |
2 de junho
No país negro e racista
No coração da América Latina
Na cidade do Recife
Terça-feira 2 de junho de dois mil e vinte
Vinte e nove graus Celsius
Céu claro
Sai pra trabalhar a empregada
Mesmo no meio da pandemia
E por isso ela leva pela mão
Miguel, cinco anos
Nome de anjo
Miguel Otávio
Primeiro e único
Trinta e cinco metros de voo
Do nono andar
Cinquenta e nove segundos antes de sua mãe voltar
O destino de Ícaro
O sangue de preto
As asas de ar
O destino de Ícaro
O sangue de preto
As asas de ar
No país negro e racista
No coração da América Latina