Atos de Aparência, de Gauri Gill

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    GAURI GILL, Sem título (26), Atos de Aparência, 2015-em andamento
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    GAURI GILL, Sem título (55), Atos de Aparência, 2015-em andamento
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    GAURI GILL, Sem título (48), Atos de Aparência, 2015-em andamento

     

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    GAURI GILL, Sem título (75), Atos de Aparência, 2015-em andamento
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    GAURI GILL, Sem título (44), Atos de Aparência, 2015-em andamento
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    GAURI GILL, Sem título (69), Atos de Aparência, 2015-em andamento
 

Apresentamos nesta edição de DERIVAS ANALÍTICAS imagens da obra de Gauri Gill, fotógrafa indiana com reconhecimento internacional, mais especificamente seu trabalho, Atos de Aparência. Suas ações, interessadas no contrato social da fotografia, são importantes expressões de resistência diante do tempo, do lazer, do prazer, das esperanças, dos medos e do futuro. Suas fotografias propagam a expressão de existências subalternas dentro dos estados indianos rurais, mesmo quando denotam criticamente um desequilíbrio fundamental em sua própria existência. Sua prática opera em um nível de superfície que se abre para um conjunto vital e efêmero de relacionamentos, por meio e para além de seu envolvimento social com as comunidades, indivíduos e práticas que levam sua fotografia a conter muito mais do que retrata diretamente. Ao fazê-lo, seus trabalhos indagam sobre a circulação da expressão das margens da vida contemporânea.

Vários dos projetos em andamento de Gauri Gill destacam sua crença sustentada na colaboração e na “escuta ativa”, bem como no uso da fotografia como prática de memória. Seu trabalho aborda os marcadores identitários indianos de classe e comunidade como determinantes de mobilidade e comportamento social. É marcado pela empatia, pela surpresa e pela preocupação humana com questões de sobrevivência.

Encontramos no vídeo On seeing, de 2020, publicado pelo site #museumfromhome, declarações da artista quanto a Atos de Aparência. Ela diz que esse trabalho assumiu sua forma dentro de uma vila de artistas de papel machê Adivasi, das tribos Kokna e Warli, em Jawhar, Dahanu, um dos distritos mais pobres de Maharashtra. Durante uma festa popular ali, um festival de primavera, Gauri Gill encontrou pela primeira vez pessoas, como parte da diversão do festival, usando máscaras para encenar várias personas, numa procissão realizada uma vez por ano em muitas aldeias, nas quais toda a comunidade participa de uma performance ritual para encenar um conto mitológico. As máscaras, executadas por artistas da região, representam diferentes deuses, demônios e figuras auxiliares, arquétipos poderosos refinados ao longo de gerações de narrativas. Em 2015, Gauri Gill procurou famosos artesãos locais com uma proposta que ela chama de “maluca”: ela desejava encarregá-los, juntamente com suas famílias e colegas voluntários (mais de trinta pessoas no total), de criar um novo conjunto de máscaras − não de deuses ou demônios de acordo com a tradição e o folclore local, mas, sim, como representantes de seres existentes na realidade contemporânea.

Gauri Gill começou a se interrogar sobre o hiato entre essas máscaras míticas idealizadas e a realidade que ela via ao seu redor. Então, ela sugeriu que as criações interpretativas deles incorporassem seres contemporâneos de diferentes idades e emoções familiares, como amor, tristeza, medo ou raiva, e aquelas experiências comuns a todos os seres humanos, como doenças, relacionamentos ou envelhecimento. No decorrer do diálogo, os animais eram naturalmente entendidos como parte deste universo, e mais tarde outros objetos do dia a dia entraram no quadro. Habitando essas máscaras, um elenco de voluntários “atores” improvisou e encenou em diferentes cenários reais, “entre estados de sonho e vigília”, dentro e ao redor da aldeia. Gauri Gill imaginava usar a liberdade proporcionada pelas máscaras para criar distância e refletir sobre o Eu, como um caminho possível para se explorar a própria vida e as circunstâncias da vida no presente, em vez do distante passado. “Somos todos seres heterogêneos”, diz Gauri Gill, “constituídos de tantos diferentes Eus quanto são os momentos do tempo, habitando variados contextos, e os outros nos leem por seus próprios caminhos subjetivos, sempre diferentes de como nos imaginamos ser”.

No processo de readaptação dessa tradição, Gill emprega dois gêneros de arte para demonstrar visualmente as complexidades da identidade, entre tradição e modernidade, o visível e o invisível. Enquanto as máscaras diferem na representação física, sua função é essencialmente a mesma. Uma vez vestidas, transformam o caráter de quem as usa, assumindo um papel performativo, reforçando a teatralidade inerente. Além disso, a construção da máscara revigora a tradição das artes decorativas e do artesanato, referenciando a própria formação de Gauri Gill em pintura e arte aplicada.

A natureza performativa da série é fundamental para dar uma nova dimensão à prática fotográfica de Gauri Gill. Comumente considerado um meio unidimensional, capturando a perspectiva do fotógrafo de um determinado momento no tempo e no espaço, aqui a fotografia foi usada para construir uma imagem nova e em constante mudança, dando ao sujeito o controle de sua representação por meio de sua arte, em uma narrativa que contemplava a singularidade de cada sujeito. O significado disso é duplo: em primeiro lugar, a intenção da imagem vai além da documentação e, em segundo lugar, dá às culturas indianas, às vezes não reconhecidas, uma plataforma para serem visíveis.

Um aspecto significativo do projeto de Gauri Gill é seu esforço colaborativo com os usuários das máscaras para encenar cenas de suas atividades rotineiras. Foi uma tentativa, como Gauri Gill descreve no panfleto que acompanha a exposição no MOMA, em 2018, de seus sujeitos de “pensar sobre o que acontece quando escolhemos nos jogar autoreflexivamente ou encenar as coisas que fazemos sem pensar na maioria das vezes”. Mas nos quadros que se seguem, tão lúdicos quanto reveladores, a realidade é muitas vezes transformada em algo estranho e expressivo. A casualidade de sua postura – como se fosse perfeitamente comum encontrar figuras surreais parecidas com animais domésticos em seu entorno – traz uma sensação de mistério e contemporaneidade ao seu ofício e performance. As máscaras permitem que a comunidade retrate suas vidas incógnitas e crie um local para que suas vozes sejam ouvidas coletivamente, de modo brincalhão, satírico ou simbolistas, mas sempre empenhada em retratar a realidade de seus arredores.

A pergunta que concerne à 18ª Edição de DERIVAS ANALÍTCAS, referente ao semblant, surge na fala da própria Gauri Gill, no vídeo On seeing: “A quem pertence o meu rosto: a mim ou ao mundo que me vê?”.

As encenações mediadas pela câmera tinham a artista por trás dela, como acontece numa sessão de análise. O esforço de Gauri Gill, como ela revela no vídeo, envolveu “aprender a ouvir mais profundamente e a ver mais clara e coletivamente”, a reconhecer o poder de quem conta a história e a tentar, por meio da Arte, encontrar representações próprias daqueles sujeitos:

Quando focamos apenas no objeto explícito que está em constante mudança, deixamos de prestar atenção a todo o processo e aos atores nele inseridos, mesmo na tentativa de desconstruir o processo acabamos criando novos centros de foco. Na verdade, há uma multidão por trás de qualquer ato único ou de qualquer convergência solitária de atos que aparecem na forma de um objeto e há um continuum sempre fluindo (...). Por fim, por mais que o trabalho envolva condições injustas do mundo, quis privilegiar todas as formas ingênuas que as pessoas encontram para nadar, para se manter à tona, apesar das circunstâncias frágeis ou precárias. Esses pequenos atos de resistência de indivíduos ou comunidades são tudo o que temos no final, e é aí que reside a esperança. 

Em entrevista a Will Fenstermaker, na Bomb Magazine, em 2021, Gauri Gill diz que buscava transcender a realidade mundana da vida na aldeia, num esforço coletivo para criar arquétipos do Eu cotidiano e reconhecível. Não havia hierarquia de máscaras: cada uma foi usada. E não havia mais critérios, exceto que elas não precisavam ser tão formais e acabadas quanto as máscaras do festival. “No final”, diz Gauri Gill, “cada um foi de alguma forma especial, apesar da falta de confiança inicial dos artistas”. Perguntada sobre a relação entre o anonimato proporcionado por uma máscara e o anonimato proporcionado por uma câmera, Gauri Gill discorre sobre o uso do semblant: “Gosto de ter esse filtro entre mim e o mundo”. Referindo-se ao que acontece na fotografia entre o autor e o seu tema – que veríamos como o que acontece entre o sujeito e o Outro −, Gari Gill diz que o que público recebe são “as interpretações dos artistas-sujeitos na forma de máscaras, uma espécie de resposta àquele olhar consumidor e curioso”. Não há como não ver nisso, nos atos de aparência, um ato político.

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