Poemas
CARLOS ÁVILA [1]
POETRY: THE WORD I AM THINKING OF
& não será
a poesia
(femme fatale)
apenas uma palavra
dentro de outra palavra
que não quer dizer nada
& não será
a poesia
(femme publique)
apenas a migalha
dentro de outra migalha:
fogo de palha
& não será
a poesia
(femme de chambre)
apenas o ar assoprado
por um aloprado
no ouvido do olvido
& não será
a poesia
(femme grosse)
apenas o resto
de um almoço indigesto
entre convivas no inferno
?
o que será
(une femme: infame)
Será
BAUDELAIRE SOB O SOL
o sol
(a ser adjetivado:
im-pla-cá-vel)
descorou a capa
de um volume de baudelaire
as flores do mal
(descubro)
não resistem à lenta
violência do sol
(sol de boca-de-sertão
que estorrica o solo?)
também
quem mandou
colocar a estante
nesta posição:
o que estaria baudelaire
(em efígie gráfica)
fazendo no sertão?
se as flores do mal
não suportam o sol
(repondez baudelaire)
resistiriam aos punhais
do óxido e do sal?
RUA OUTONO
na rua outono
(rua d’antanho
com árvores
impressionistas)
vivem todas
as estações do ano
ali
o poeta pedestre
(pareil à la feuille morte)
segue ao vento
sem metro
ou mestre
a rua
(suas extremidades curvas)
propõe um teorema:
é uma presença
feita de ausência
um anti-tema
& no entanto
aqui se inscreve
(passagem obrigatória)
como reles retórica
no rascunho semiótico
da cidade
na rua outono
(rua de estranhos
com ares
impressionantes)
morrem todas
as ilusões do ano
RENDIDO
rendido
na teia
cortante
do tédio
limado
na trama
oculta
do limbo
consumido
na câmara
escura
do equívoco
sufocado
a ferro e fogo
até perder
os sentidos
DISPLACED
torto
(errante)
de dentro
para fora
à deriva
na página
e em toda
parte
(escrita
em adiantado
estado de
decomposição)
torturado
nos ângulos
agudos
da forma
OUTRA VEZ
outra vez
nenhuma
mensagem
nova
apenas
ruídos
itens
excluídos
(línguas
ininteligíveis
nas linhas
inimigas)
o ríspido
ocupa
o lugar
do lírico
CARLOS ÁVILA nasceu em 1955, em Belo Horizonte (Minas Gerais), onde vive – é poeta e jornalista. Publicou os livros de poemas Aqui & agora (1981), Sinal de menos (1989), Bissexto sentido (1999), Área de risco (2012) e Anexo de ecos (2017). Também publicou o volume de crítica Poesia pensada (2004) e um livro infantil: Bri Bri no canto do parque (2012). Foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais e participou de mais de vinte antologias no país e no exterior, entre elas, Nothing the sun could not explain – 20 Contemporary Brazilian Poets (Los Angeles/EUA, Sun & Moon Press, 1997; 2ª edição: 2003). Seu poema “Mais uma vez” foi musicado por Gilberto Mendes e “Obstáculos” por Willy Corrêa de Oliveira. Ávila esteve presente em diversos encontros e seminários, trabalhou em televisão e editou publicações. Colabora em jornais, revistas impressas e on line. Segundo Haroldo de Campos, Ávila “se mostra capaz de pedra grossa e lavra fina. Construção rigorosa sensibilizada pela emoção; uma emoção que se filtra no constructo material das palavras como água de fonte em poros de rocha”.