Derivas analíticas é a revista digital de psicanálise e cultura da EBP-MG. Suas rubricas difundem textos dedicados à psicanálise de Orientação Lacaniana bem como ensaios, traduções, críticas e resenhas que apresentem interlocuções consonantes com o ensino de Jacques Lacan, sejam eles de cunho científico, literário, filosófico ou artístico.
O significante dérive era caro ao psicanalista Lacan, que em vários momentos de seu ensino a ele se referiu, chegando a propor que o Trieb freudiano fosse, em francês, traduzido por dérive. No Seminário Mais, aindaLacan afirma: “[…] temos os Três ensaios sobre a sexualidade, aos quais lhes rogo que se reportem, porque terei que usá-los sobre o que chamo de deriva para traduzir Trieb, a deriva do gozo”. No Seminário sobre Joyce, Lacan diz: “[…] Esse termo, em francês [Trieb], é traduzido por pulsion ou pulsion de mort [pulsão ou pulsão de morte]. Não sei por que não lhe foi encontrada uma melhor tradução, uma vez que há a palavra deriva [dérive]. A pulsão de morte é o real na medida em que ele só pode ser pensado como impossível”.
Derivas Analíticas começa a ver a luz do dia. Ela surge sob os auspícios de um significante pelo qual Lacan tinha estima: ele desloca a tônica do mito da pulsão em Freud para privilegiar o que, na pulsão, se presentifica como o real do gozo. Nos passos da pulsão assim concebida, deriva pode ser bem a metáfora da distância entre o ponto que se mira e o ponto que se atinge na travessia de um rio, o que nos permite dizer que é derivando que se atinge o alvo!
Entre temas epistêmicos e culturais e suas relações com a psicanálise, a revista se desdobra em quatro rubricas. Na rubrica Aquele texto… Derivas Analíticas reedita artigos que fizeram a história da EBP e do Campo Freudiano. Artigos que mantêm uma atualidade e que continuam a interpelar o leitor como oráculos que propõem, a cada leitura, uma nova interpretação. Os textos de Ram Mandil, O masculino diante do fogo, e de Jacyntho Lins Brandão, A palavra oracular entre os gregos, se inscrevem, sem dúvida alguma, no rol dos escritos que perdem a datação por não serem circunstanciais. Podemos, por isso mesmo, chamá-los “memoráveis”: eles estão em nossa memória como referências clássicas que escandem a história da EBP, podendo ser ressignificados a cada nova leitura.
A rubrica Mathesis difunde textos que contemplam o eixo epistêmico da Orientação Lacaniana e que valorizam a dimensão ensaística do escrito. Conhecido por seus estudos literários, especialmente por seus trabalhos sobre Stéphane Mallarmé, Joseph Attié tem relações de amizade com o Brasil: além de ter sido próximo de Augusto e Haroldo de Campos, Attié é membro da Escola Brasileira de Psicanálise. Porém, a escolha pela publicação de seu artigo se deve menos aos seus laços com as letras brasileiras do que ao caráter ensaístico de sua escrita. Estabelecido após uma intervenção oral, o escrito de Attié conjuga fala e escrita, derivando em ato o tema que desenvolve epistemicamente. O esforço de transmissão de Attié nos revela que a dimensão epistêmica de um escrito pode, certamente, se apoiar numa prosa livre, feita de asserções menos definitivas e até mesmo de hesitações e silêncios. Em outras palavras, esse artigo nos transmite que rigor conceitual não deve equivaler, necessariamente, a linearidade e opacidade. Podemos dizer que se trata de um texto que deixa transparecer os resíduos de lalíngua ali depositados.
A terceira rubrica, Você disse contemporâneo?, se insere numa vertente que se pode chamar “vanguardista”, se considerarmos a expressão vanguarda em seu sentido mais literal: posição que vem na dianteira. Lacan orientou os psicanalistas de sua Escola quanto à posição que deveriam assumir: estar à altura da subjetividade de sua época, deixando-se, por exemplo, interpretar pelas manifestações da cultura e da arte. Os textos dessa rubrica se referem ao que podemos chamar “contemporâneo”: suas produções culturais e científicas, suas tendências de pensamento, e por que não, seus modos de gozo. Nesse sentido, a entrevista com o jovem artista mineiro radicado em São Paulo, Alexandre Brandão, nos coloca diante de um procedimento singular, a saber, a tentativa de incluir, na obra, o fazer presente no ato da criação. A entrevista, assim como as imagens e o vídeo que a acompanham, apresentam o universo do artista, que é povoado de interrogações sobre o estatuto do efêmero, a passagem do tempo e o traço que somente o desenho pode deixar. Publicamos também nesta rubrica, um artigo sobre Paulo Marques dê Oliveira, “cientista, astrofísico, teólogo e prefulgenciado”. De suas criações, feitas de caneta esferográfica sobre folha de caderno, fez-se um livro; de suas histórias fez-se um filme; de suas letras a moda vestiu as mulheres. Capturados pela arte de Oliveira, três jovens analistas quiseram testemunhar disso que, embora não esteja no discurso, enlaça e dá o que falar! “Ô fim do cem, fim” deriva…, texto escrito por Ednei Soares, Fernanda Costa e Virgínia Carvalho rende uma belíssima homenagem ao “Mestre dos mestres”.
Na rubrica Resenhas, sinopses, etc. & tal, Ruth Silviano Brandão escreve sobre o programa America’s next top model. Ela aponta para o que pode haver de explosivo e devastador no encontro entre a busca do feminino e a poderosa indústria da moda. Longe de ser cor-de-rosa, a caça do feminino leva as jovens mulheres a desfilar para os olhos devoradores do capital. Por fim, fechando o primeiro número de Derivas Analíticas, Laura Rubião comenta o livro do psicanalista Philippe Lacadée sobre o escritor suíço Robert Walser: Robert Walser, le promeneur ironique. Enseignements psychanalytiques de l’écriture d’un roman du réel. Laura chama a atenção para a fineza da leitura de Lacadée, que, se servindo de conceitos da psicanálise, conduz o leitor à aventura errante de Walser.
Derivas analíticas agradece aos autores que colaboraram com este número inaugural; a Conrado Almada pela logomarca, que traduz tão bem o encontro entre letra e imagem; aos colegas da equipe de publicação da EBP-MG que colaboraram com esta edição; ao Conselho editorial e à Diretoria da EBP-MG.
Boa leitura!
Yolanda Vilela