Frigidez em mulheres[1]
Helene Deutsch 960)
Ao fazer algumas observações sobre esta discussão, estou abusando do privilégio de Coordenadora, que supostamente deve ser uma organizadora e não alguém que contribui.
Depois que publiquei os dois volumes de A psicologia das mulheres (1944, 1945), eu achei que havia exaurido meu conhecimento sobre o assunto. Vinte e cinco anos de experiência analítica foram depositados nesses livros e estava preparada para nunca mais retornar ao problema da feminilidade.
Mas, como Fausto, não pude me livrar dos fantasmas que havia invocado. Recebi cartas de mulheres com distúrbio sexual e cartas de homens perturbados com as dificuldades de suas mulheres. Permaneci ocupada com esse problema em função das muitas consultas, do recente interesse dos ginecologistas por este assunto, das terapias breves, etc. Essas experiências me permitiram a oportunidade de obter uma rica visão macroscópica da psicopatologia das mulheres, uma valiosa revisão dos eventos psíquicos que eu tinha previamente visto por meio do microscópio da análise.
Naquele período do meu trabalho profissional estava chocada com o número de mulheres frígidas e amargamente desapontada com os resultados do tratamento psicanalítico da frigidez. Eu havia visto casos nos quais os mais graves distúrbios neuróticos foram aliviados pela psicanálise, sem que houvesse minimamente influenciado a frigidez destas mesmas pacientes. Vi mulheres muito doentes, até mesmo psicóticas, que experimentavam um intenso orgasmo vaginal e outras relativamente livres de neurose que nunca tinham tido esta experiência. Vi mulheres agressivas, masculinas, eficientes, exigentes para quem o orgasmo vaginal era condição absoluta para o ato sexual, e, também, mulheres carinhosas, maternais e felizes para as quais o orgasmo vaginal era terra incognita. Muitas não tinham a menor dúvida de que suas necessidades sexuais eram totalmente satisfeitas durante o ato sexual; mesmo que o orgasmo vaginal não fosse incluído em seu conceito de satisfação.
De acordo com nossa experiência analítica, a frigidez tem sua raiz na história de vida de cada mulher. Existem muitas condições a serem preenchidas para que uma mulher possa atingir sua capacidade orgástica:
- As influências do desenvolvimento pré-genital e pré-edípico têm que ser ultrapassadas;
- Problemas edípicos têm que ser solucionados;
- A bissexualidade tem que ser resolvida;
- As relações objetais têm que ser baseadas em posições afetivas pós-ambivalentes;
- O masoquismo feminino, a fonte principal da inibição sexual, tem que estar em total controle, etc.
Resumindo, qualquer pequeno distúrbio no desenvolvimento pode se tornar causa de frigidez.
Por outro lado, talvez a mais problemática invasão na esfera da gratificação sexual provenha das funções reprodutoras e do significado psicológico do coito como primeiro ato dessas funções.
Sabemos do perigo da maternidade para a segurança e solidez do nte, concordo com essa ideia. ego; sabemos dos conflitos entre as forças do narcisismo e as forças de reprodução dirigidas ao objeto. Suspeito que mesmo o ato sexual mobilize a luta entre os elementos narcísicos de auto conservação e as exigências da reprodução. Therese Benedek (1960) descreve muito claramente os perigos para o ego resultantes do ato sexual. Ela vê na frigidez a defesa contra esses “perigos”; eu, sincerame.
Em suma, considerando as numerosas condições para que a mulher possa alcançar o orgasmo vaginal, é necessário se perguntar: que tipo de órgão sexual é a vagina, se a mais primitiva função do homo sapiens feminino é tão terrivelmente complicada? Esta pergunta traz outra à mente. A vagina é realmente o órgão criado pela natureza, desenvolvido filogeneticamente, para a função sexual que presumimos e exigimos dele?
Minha longa preocupação com o problema em discussão, as várias influências da literatura analítica e não analítica, e sobretudo as persistentes ideias de Freud me levaram a um desvio da antiga convicção – compartilhada por muitos – de que os órgãos sexuais femininos consistem em duas partes, com clara divisão de função: o clitóris é o órgão sexual e, a vagina, o órgão de reprodução. Todas as ondas de excitação sexual, frequentemente muito fortes e urgentes na mulher, fluem para o clitóris, e apenas a comunicação subsequente mais ou menos bem sucedida desta excitação é feita para a vagina, incorporando-a na esfera da experiência sexual. Originariamente, era conferida à vagina as forças dinâmicas da reprodução. A erotização da vagina é um trabalho executado pelo clitóris e pela ativa intervenção do órgão sexual masculino.
O papel principal do clitóris não é meramente resultado de masturbação, mas é um destino biológico. O aparato muscular da vagina está a serviço da reprodução e pode, ou não, estar envolvido na atividade orgástica.
A partir dessa concepção dualística do aparelho sexual feminino, estou pronta a inverter a questão premente “Por que as mulheres são frígidas?” para “Por que ou como algumas mulheres são dotadas de orgasmo vaginal?”.
Após muitos anos de experiência, parece que devemos voltar à concepção de Freud (1932):
“A frigidez sexual em mulheres (...) é ainda um fenômeno que é insuficientemente compreendido. Algumas vezes é psicogênico, e, assim, é acessível à influência; mas em outros casos se é levado a assumir que é constitucionalmente condicionado ou mesmo parcialmente causado por um fator anatômico”.
E eu ainda acrescentaria “e fisiológico”.
Estamos bem familiarizados com o processo de sexualização da vagina durante o ato sexual e das forças biológicas hormonais que participam deste processo. Mas relembro que a função típica da vagina durante a relação sexual é passivo-receptiva. Os movimentos são de sugar e relaxar. O ritmo desses movimentos é ajustado ao ritmo do parceiro masculino.
Em um grande número de mulheres – eu diria em sua maioria – a função orgástica não culmina com um movimento esfincteriano da vagina, mas ela encontra um final feliz num relaxamento leve e progressivo que lhe dá plena gratificação. Eu creio que esta é a forma feminina mais típica.
Contestar a experiência do orgasmo vaginal, familiar a um grande número de mulheres, seria irracional. Este fato não muda minha crença de que a atividade – qualquer atividade – da vagina é essencialmente gerada por forças da reprodução. Pesquisas biológicas parecem confirmar esta crença.
Fatores psicológicos estão associados às atividades sexual e reprodutiva da vagina. Devemos postular que ambos processos compartilham não apenas o órgão, mas também a investimento emocional. Esta dualidade de função parece ter a maior parte da responsabilidade pela frigidez vaginal. Aprendemos através de muita observação que o órgão original sexual da mulher, o clitóris, é o receptor dos medos da castração. A vagina é o receptor da mais profunda angústia, ou seja a angústia de morte, que acompanha a maternidade e é mobilizada na gravidez e no parto. É esta ansiedade que parece impedir respostas sexuais na parte vaginal do órgão feminino.
A opinião segundo a qual a frigidez está aumentando é largamente compartilhada. Quando restringimos o termo “frigidez” para designar a ausência de uma certa forma de atividade vaginal, e aceitamos um modo mais passivo/receptivo de gratificação para as mulheres, podemos ver que a frigidez não é de fato tão comum como acreditávamos. O que aumentou foram as demandas por uma forma de satisfação que não está completamente em harmonia com o destino constitucional do órgão. A insistência na participação ativa da mulher no coito aponta diretamente para a função da vagina. As aspirações das mulheres à igualdade social não explicam de forma suficiente a demanda obsessiva pela atividade vaginal.
Evidências do aumento da passividade masculina e o desempenho de atividades mais masculinas por parte das mulheres é, em grande medida, uma explicação da intolerância de ambos os sexos quanto à insuficiência vaginal. Podemos até falar em “ambição sexual”, o que pode, pelo contrário, inibir a função normal da vagina por causa da expectativa por grandes performances do chamado “orgasmo vaginal”.
O que se segue pode ilustrar esse ponto. Nos últimos anos, minha clínica consiste principalmente, de pacientes do sexo masculino, na proporção de sete por dois. Eu esperava que isso me libertasse do problema ocasionalmente incômodo da frigidez, mas infelizmente, muitos dos meus pacientes do sexo masculino estão bastante preocupados com a frigidez de suas parceiras sexuais. Dessa forma, pude observar que em uma das poucas oportunidades de o ser humano esquecer o sofrimento e os conflitos da vida em uma experiência extasiante, isso se torna uma folie à deux que se revela na questão: “ela teve, terá ou não?” e “eu tive ou não, eu terei?” A vigilância, a atenção receosa e a expectativa desesperada pelo orgasmo vaginal tomam o lugar do esquecimento orgástico.
Talvez estejamos vivendo em um estágio específico do desenvolvimento da sexualidade feminina. A vagina poderá se tornar independente das interferências do desenvolvimento e a igualdade social dos sexos refletirá a posse de um órgão sólido, ativo e confiável.
Tradução do original em inglês de Luciana Silviano Brandão
[1] Introdução da coordenadora para a mesa redonda “Frigidez em mulheres”, apresentada no Encontro de Outono da Associação Psicanalítica Americana, em Nova York, 1960. Para o relatório da Banca ver Moore (1961).