Revista Derivas Analíticas - Nº 21 - Agosto de 2024. ISSN:2526-2637
Notas Finais do Tradutor - Écrits[1]
Bruce Fink
Psicanalista
Membro da École de La Cause Freudienne (ECF) e da Nueva Escuela Lacaniana (NEL)
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Muitos dos termos usados nesta tradução poderiam ser explicados em profundidade, mas me limitarei aqui a alguns que podem ser particularmente confusos.
Assumer – Assumir
“Assumer” corresponde, em inglês, a “to assume”, no sentido de “to take on” (como em “assumir a responsabilidade”, “to assume a responsibility”), mas também implica “absorver” (“taking in”), “adotar” (“adopting”), “incorporar” (“incorporating”), “pertencer” (“owing), “lidar com” (“dealing with”) e “chegar a um acordo com” (“coming to terms with”). Geralmente traduzo “assumir” como “to assume” e assunção como “assumption”, e incluo o francês entre colchetes quando o uso parece estranho de alguma forma (p. ex., “o sujeito assume uma imagem”, “the subject assumes an image”, e “a assunção do sujeito de seu próprio sexo”, “the subject’s assumption of his own sex”).
De
Esta é, na minha experiência, a palavra de mais difícil tradução nos Escritos. Dentre seus significados: “de” e “desde” (“of” e “from”), “com” (“with”), “por” (“by”), “por causa de” (“because of”), “graças a” (“thanks to”), “baseado em” (“based on”), “por meio de” (“by means of”), “sobre” (“about”) e “como” (“as”). O uso que Lacan faz de “de” me parece extremamente incomum entre os autores franceses, sobretudo em “Subversão do sujeito” (LACAN, 1960/1998). Certos usos de “de” são particularmente abertos a múltiplas interpretações devido à sua função tanto como genitivo subjetivo quanto como genitivo objetivo (ou intencionalmente designado por Lacan para sugerir ambos). Considere-se, em particular, formulações como o desejo do Outro (veja a seguir) e o gozo do Outro (é o gozo que o Outro tem ou o gozo que o sujeito tem do Outro?).
Demande – Demanda
O termo francês aqui pode ser tão forte como o inglês “demand” ou tão fraco como um “request” (“pedido”). Traduzi das duas maneiras, dependendo do contexto, mas coloco o francês entre colchetes quando traduzo da segunda forma.
Le désir de l’Autre – O desejo do Outro
Além dos sentidos comuns, “desejo pelo Outro” e “o desejo do Outro” (apenas o último é capturado pela fórmula “o desejo do Outro”, pois dizemos “desire for” – “desejo por” – e não “desire of” “desejo de algo”), deve-se ter em mente que Lacan frequentemente usa o francês aqui como uma abreviação para dizer “o que o Outro deseja” ou “o objeto do desejo do Outro”. Por exemplo, na frase, “Le désir de l’homme, c’est le désir de l’Autre”, um dos significados óbvios é o de que o homem deseja o que o Outro deseja. Também fica implícito que, como homem, eu quero que o Outro me deseje.
Duel ou Duelle (por exemplo, relation duelle) – Diádico
Evitei a tradução óbvia “dual” aqui porque, na psicologia americana contemporânea, “relações duais” indicam quando o terapeuta é também professor do seu, ou da sua, paciente, por exemplo, quando o terapeuta desempenha dois papéis distintos numa relação com o paciente. No uso de Lacan, “la relation duelle” é a relação imaginária entre o ego (a’) e o alterego (a), em oposição à relação simbólica. Traduzi sistematicamente o adjetivo como “diádico” (“dyadic”).
Expérience – Experiência
O termo francês aqui é frequentemente utilizado, ele mesmo, sem predicado (p. ex., “dans l’éxpérience”). Geralmente, o que está em questão é a experiência psicanalítica, mas nem sempre. O termo significa também “experimento”, como um experimento científico, e não é sempre claro qual é o significado pretendido.
Instance – Instância
A “instance” de Lacan – bem como o “Instanz” de Freud – é frequentemente traduzida como “agency”, especialmente quando Lacan está falando sobre as várias instâncias freudianas (Isso, Eu e Supereu). Entretanto, “instance” também se refere a um poder, ou autoridade (como quando nós falamos de uma Corte de Primeira Instância), e, ainda, a uma força insistente, urgente, a uma atividade ou intervenção. “Agency” de modo algum transmite a insistência tão importante para o uso do termo por Lacan em tais contextos. “Instance” denota também um exemplo ou um caso particular de algo (cf. “enstasis”, a objeção que se levanta contra o argumento de um adversário ou a exceção a um predicado universal, portanto, uma instância ou contrainstância que refuta uma reivindicação geral), como Lacan (1972-73/2008, p. 72) indica no Seminário 20.
Jouissance – Gozo
Presumi que o tipo de satisfação (“enjoyment”) além do princípio de prazer (incluindo o orgasmo) denotado pelo francês “jouissance” é bem conhecido do público leitor de inglês para requerer tradução.
Langue e langage – Língua e linguagem
Dado o pano de fundo linguístico de grande parte do trabalho de Lacan, sistematicamente traduzi “langage” por “language” e, quando traduzi “langue” como “language”, incluí o francês entre colchetes.
Manque-à-être – Falta-a-ser
Aparentemente, o próprio Lacan selecionou a tradução inglesa “want-to-be”, certamente, pelo menos em parte, devido à sua polivalência. Em geral, adotei essa tradução, apesar de, em alguns casos, ter preferido outras expressões, tais como “lack of being” (‘falta de ser”) e “failure to be” (“falha em ser”).
Méconnaissance – Desconhecimento
Esse termo é muito comum em francês e em certos contextos é traduzido de forma mais adequada como “ignorância” (“ignorance”), “negligência” (neglect”), ou “descuido” (“oversight”); similarmente, a forma verbal, “méconnaître” (“desconhecer”), é frequentemente mais bem traduzida por “to overlook” (“desatentar”), “to misunderstand” (“entender mal”), “to be unaware of” (“não estar a par de”), “to omit” (“omitir”), “to ignore” (“ignorar”), “to neglect” (“negligenciar”) ou “to disregard” (“desconsiderar”). Lacan às vezes usa esse termo para se referir a um desconhecimento deliberado ou a um mal-entendido de algo (p. ex., de uma ideia ou de um desejo), a um conhecimento (“knowledge”) ou saber (“knowing”) que falta ou falha quase de propósito; nesses casos, eu o traduzo como “misrecognition”, ou “misrecognize.”
Négation e Dénégation – Negação e denegação
A importância da negação e as diferentes formas que ela pode assumir são, no mínimo, tão fundamentais para o trabalho de Lacan como para o de Freud. Muitos dos termos que Lacan usa para falar sobre isso são ou traduções aceitas, ou suas próprias traduções dos termos de Freud, cada uma das quais tem certos usos técnicos e/ou idiomáticos em alemão que não coincidem necessariamente com os usos idiomáticos em francês – tudo isso é intensificado na tradução desses termos para o inglês.
A mais rara, “Verwerfung”, é a mais fácil do ponto de vista do tradutor; Lacan a traduz primeiramente como “rejet” (“rejection”, “rejeição”) e “retranchement” (“supression”, “subtraction”, “deduction”, “retrenchment” ou “entranchment” – “supressão”, “subtração”, “dedução”, “retração” ou “entrincheiramento” –; ver página 388 dos Escritos), e, então, mais consistentemente, como “forclusion” (“foreclosure”, foraclusão”). A forma verbal no francês é “forclore”, traduzido aqui como “to foreclose”.
“Verneinung” (“negation”, “negação”) é traduzido para o francês de dois modos diferentes: “négation” e “dénégation”. Traduzo ambos como “negation” ou “denial”, dependendo do contexto. Traduzo o verbo francês correspondente, “nier”, como “to negate” ou “to deny”, dependendo do contexto.
“Verleugnung” (“disavowal”) pode ser traduzido em francês de duas maneiras distintas: “déni” e “désaveu”. “Dénier” (a forma verbal) é muito próximo em seu uso de “nier” no francês, mas eu sempre traduzo o primeiro como “disavow” (“recusar”), exceto quando incluo o francês entre colchetes.
Objectivation – Objetificação
O francês aqui significa “objetification”, nos dois sentidos relacionados ao termo: transformar algo em um objeto e, talvez mais comumente, tornar algo objetivo (não necessariamente no sentido absoluto, mas no sentido de colocar algo “no exterior”, de modo que os outros possam observá-lo ou estudá-lo).
Oblativité – Oblatividade
Suposta tendência a dar aos outros altruística ou desinteressadamente, que em francês foi discutida nos textos psicanalíticos dos anos 50 e traduzida aqui [na versão inglesa dos Écrits] como “oblativity”. O termo foi introduzido por Laforgue em 1926 e traduzido como “self-sacrifice” (“autossacrifício”), no texto “Some reflections on the Ego” (LACAN, 1953).
Réel – Real
Esse termo é frequentemente usado pelos autores franceses como um termo alternativo para “realidade” (“reality”), sem nenhuma referência à categoria lacaniana do real. O próprio Lacan usa com frequência o termo dessa maneira, e sempre o faz antes de desenvolver sua formulação do real em justaposição com o imaginário e o simbólico no início dos anos 50. Nem sempre é óbvio quando deve ser traduzido por “real” ou por “reality” (“realidade”) depois dessa época, e, desse modo, incluo o francês entre colchetes toda vez que o traduzo por “reality”.
Savoir e Connaissance – Saber e conhecimento
O francês geralmente distingue entre “savoir”, como um tipo de conhecimento (“knowledge”) articulado, factual e explícito (p. ex., saber a data de um evento histórico particular), e “connaissance”, como um tipo de conhecimento mais ligado à experiência (p. ex., “knowing a person”, “conhecer uma pessoa”, ou “knowing how to speak a language”, “saber como falar uma língua”), embora haja muitas exceções a essa categorização aproximativa e imediata. Ver, em particular, a discussão feita por Lacan (1960/1998, p. 818) em “Subversão do sujeito”. Eu traduzi ambos, “savoir” e “connaissance”, como “knowledge”, embora tenha incluído o francês entre colchetes quando o original diz “connaissance” (exceto em “O estádio do espelho”, “A agressividade em psicanálise”, “A coisa freudiana”, “A instância da letra” e “De uma questão”, em que “knowledge” sempre traduz “connaissance’, exceto quando seguido por “savoir” nos colchetes). Note-se que “connaissance” também pode significar “consciência”, portanto, é traduzido dessa maneira quando o contexto parece exigi-la.
Semblable – Semelhante
Esse termo é frequentemente traduzido como “companheiro” (“fellow man”) ou “colega” (“counterpart”), mas, no uso de Lacan, ele se refere especificamente ao espelhamento de dois outros imaginários (a e a') que se identificam (ou pelo menos se veem um no outro). “Fellow man” corresponde bem ao francês “prochain”, que se refere ao homem (não à mulher), ao adulto (não à criança), e sugere “companheirismo”, enquanto, no trabalho de Lacan, “semelhante” (“semblable”) evoca a rivalidade e o ciúme em primeiro lugar. “Colega” (“counterpart”) sugere estruturas hierárquicas paralelas em que duas pessoas desempenham papéis similares, ou seja, papéis simbólicos, como em “O colega do chefe financeiro do escritório, alvo da aquisição estrangeira da companhia, era o Sr. Juppé, o diretor financeiro”. Jacques-Alain Miller sugeriu que traduzíssemos “semblable” como “alter ego”, mas como “alter ego” também é por vezes usado independentemente por Lacan, e como há inúmeras conotações em inglês (“um amigo confiável” e o “lado oposto da personalidade de alguém”), eu preferi reviver o obsoleto inglês “semblable”, encontrado, por exemplo, no Ato V, cena II, verso 124 de Hamlet: “his semblable is his mirror; and who else would trace him, his umbrage, nothing more” (“seu semelhante é seu espelho; e quem mais o seguiria, sua sombra, nada mais”).
Sens e Signification – Sentido e significação
Esses dois termos são frequentemente sinônimos e são traduzidos como “meaning” na maioria dos contextos. Na linguística, entretanto, a distinção é geralmente feita entre significação como um processo psicológico e sentido como um termo estático para a imagem mental resultante desse processo psicológico. Dado que o horizonte da linguística tem um papel importante no trabalho de Lacan, traduzi “sens” como “meaning” e “signification” como “signification”, exceto quando indicado. “Sens”, é claro, também se refere a “direction” (“direção”) e “sense” (“senso”, “sensação”). Ver o último comentário sobre sentido e significação em “O aturdito”, nos Outros Escritos (LACAN, 1972/2003).
Signifiance – Significância
O termo francês que eu geralmente traduzo como “signifierness” também pode ser traduzido como “significance”, “signifyingness” ou “meaningfulness”. De acordo com o Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, de André Lalande (1999), o termo foi introduzido na linguística francesa nos anos 60, derivado do inglês “significance”, e tem relação com o termo “conotação” nessa língua. De acordo com o Dictionnaire historique de la langue française (1994), “a palavra, que até recentemente não estava mais em uso, foi retomada no vocabulário da semiologia e da semiótica, designando (provavelmente modelada do inglês ‘significance’) o fato de ter sentido [‘meaning’], em oposição a ‘non significance’”. Lacan (1960/1998, p. 635) a utiliza para traduzir a “Deutung” da “Traumdeutung” de Freud, que Strachey traduz como “interpretation”. No decorrer do trabalho de Lacan, ela ganha o sentido de “signifierness”, ou “signifying nature of signifiers” (“natureza de significação dos significantes”) – em outras palavras, o sentido no qual o significante domina o significado. Ver, em particular, “A instância da letra”, em que Lacan a iguala com “l’effet signifiant”, “efeito de significação” ou “efeito significante” (LACAN, 1957/1998, p. 519).
Le signifiant – O significante
O francês, aqui, geralmente traduzido como “the signifier”, está sujeito às mesmas dores de cabeça tradutórias que outros substantivos franceses no singular: o francês tende a usar o singular onde, no inglês americano, nós usaríamos o plural. (Ao falar de mulheres, por exemplo, o francês provavelmente falaria sobre a mulher – “la femme” – e não sobre as mulheres – “les femmes”). Em certos contextos, eu preferi traduzir “le signifiant” como “signifiers” (fornecendo o francês nos colchetes), mas é preciso ter em mente que Lacan também concebe “o significante” como formador de um sistema e como coletivizável e inquantificável em certos aspectos (sobre esse ponto, ver, por exemplo, o Seminário 20).
Sujet – Sujeito
Tal como “real”, “sujeito” (“subject”) é sempre usado pelos autores franceses e pelo próprio Lacan – em todos os períodos de seu trabalho – para se referir simplesmente ao sujeito de um estudo ou experimento, a um paciente ou a uma pessoa, sem qualquer outra referência à distinção lacaniana entre o “eu” (“ego”) e o “sujeito” (“subject”) (independentemente de como o sujeito lacaniano seja concebido). Embora eu sempre traduza “sujeito” como “subject”, deve-se ter em mente que o sentido técnico lacaniano nem sempre é o almejado (na verdade, às vezes o sentido do “assunto em questão” é primário). Gramaticalmente, “sujet” é masculino, mas ele obviamente pode se referir a um homem ou a uma mulher.
Subjectivation – Subjetivação
O francês, aqui, significa tanto a “subjectification” (“subjetivação”) – transformar alguém (ou algo) em sujeito –, quanto o fato de tornar algo subjetivo, o que eu traduzi aqui como “subjectivization” (“subjetivização”). Similarmente, “subjetivar’ (a forma verbal) pode significar tanto “to subjectify” como “to subjectivize”. Frequentemente, não fica claro qual termo deve ser utilizado.
Tradução: Virgínia Carvalho
Revisão da tradução: Ana Helena Souza e Vinícius Moreira Lima
“Translated from the Translator’s Note to Écrits: A Selection by Jacques Lacan, translated by Bruce Fink. Écrits Copyright © 1966, 1970, 1971, 1999 by Editions du Seuil. English translation and Translator’s Note © 2002 by W. W. Norton & Company, Inc.”
Referências
DICTIONNAIRE Historique de la Langue Française. Paris: Le Robert, 1994.
LACAN, J. Some reflections on the ego. The International Journal of Psychoanalysis, n. 34, p. 11-17, 1953.
LACAN, J. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 496-533. (Trabalho original publicado em 1957).
LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In: Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 807-842. (Trabalho original publicado em 1960).
LACAN, J. O aturdito. In: Outros Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 448-500. (Trabalho original proferido em 1972).
LACAN, J. O Seminário, livro 20: Mais, ainda. Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. (Trabalho original proferido em 1972-73).
LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
[1] O presente texto é uma tradução de parte das notas finais da tradução da edição inglesa dos Escritos. Agradecemos a Bruce Fink e à editora W.W. Norton & Company pela gentileza em nos conceder o direito de traduzi-lo exclusivamente para este número da Derivas Analíticas.