Revista Derivas Analíticas - Nº 19 - Agosto de 2023. ISSN:2526-2637
O Quê
Arnaldo Antunes
Que não é o que não pode ser que
Não é o que não pode
Ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É
O que não pode ser que
Não é o que não pode ser
Que não é o que
O que?
O que?
O que?
Que não é o que não pode ser que não é
(O QUÊ, 1987)[1]
(ANTUNES, 2001, p. 32)
ARNALDO ANTUNES
Poeta, músico, artista visual. Nascido em São Paulo, em 1960, Arnaldo Antunes é autor de inúmeros poemas-canções que marcaram diferentes gerações do Brasil e do mundo. Nos anos 80 e 90, suas letras e voz tiveram fundamental participação no sucesso da banda de rock Titãs, que se renova em sua turnê atual Titãs Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora. Em sua carreira solo, além de célebres canções, publicou diversos livros de poesia, ensaios e literatura infantil, encantando o público com sua experimentação “lúdica com a linguagem” (ANTUNES, 2020). Essa experimentação e essa inquietude se concretizaram em importantes exposições de arte e performances. A Equipe Editorial de Derivas Analíticas convida o leitor a um passeio pelo site oficial de Arnaldo Antunes,[2] no qual somos apresentados ao profícuo percurso desse grande artista, que soube encontrar no mundo um relevante lugar para sua “estranheza” fundamental.
Arnaldo Antunes amavelmente autorizou-nos a publicar, aqui, seu poema-canção “O quê”. Pareceu-nos também pertinente citar, logo a seguir, algumas de suas considerações, extraídas de dois documentários:Com a palavra, Arnaldo Antunes (2018) e Arnaldo, sessenta (2020). Para essa extração, procuramos designar por alguns títulos os recortes que fizemos, levando em conta o que ele próprio fala sobre “O quê”, bem como observações suas que dialogam com a temática deste número. [3]
O quê
“É quase uma equação lógica.” (2020)
“É uma frase lógica vazia de sentido. Um desdobramento que vai se transformando, mas, ao mesmo tempo, está repetindo um discurso lógico vazio. É um exercício de linguagem lúdico. Juntou a música pop com uma coisa mais construtivista, com influência da poesia concreta. Na verdade, é um mesmo módulo que vai se repetindo, que se desdobra em muitas frases diferentes. Então, depois de ter gravado a canção, eu acabei vendo que dava para cantar a música inteira dentro de um círculo, evidenciando isso de que era um módulo de linguagem, que era circular, que voltava ao início.” (2018)
A coisa gráfica
“Quando despertou o desejo criativo, comecei a desenhar, a escrever, a ter aula de violão, tudo na mesma época, 13 anos. Eu me lembro de um dos primeiros poemas que fiz, e era um poema que já tinha essa ideia de subverter um pouco a forma tradicional da linguagem. Havia uma amálgama da última sílaba do verso anterior com a primeira do verso seguinte. Era o mesmo som. Então, aquilo ia fazendo com que ficasse tudo emendado. Já tinha uma brincadeira formal com a linguagem desde essa época.” (2018)
“Eu era apaixonado pela poesia, pela canção, essas coisas sempre aconteceram junto, desde muito adolescente. Eu acho que a canção popular me trouxe muito também do gosto pelo jogo de palavras. Fui buscando isso aos poucos na poesia, fui fazendo essas ligações. Acho que cresci num período em que a poesia da época estava muito próxima da música popular. Um pouco depois eu fui achar essa conexão nas revistas de poesia. Eu era apaixonado pela coisa gráfica.” (2018)
Estranheza, loucura e poesia
“A estranheza é fundamental, me nutre de energia vital. Inserir uma loucura é inserir uma diferença, uma sensibilidade, um dado inusitado, uma surpresa, uma informação nova. Inserir aquilo que não é normal.” (2018)
“Meu repertório se faz sempre buscando esse estranhamento.” (2018)
“Eu nunca me senti um artista visual no sentido de fazer especificamente aquilo, assim como não me sinto músico. Eu faço canção, que envolve o trabalho com a palavra. O que me levou para as artes visuais é o trabalho com a palavra, sempre o desejo de uma expressão poética. Eu me aventuro em outras linguagens, mas a partir dela, de alguma forma. Eu acho que a poesia é uma forma de resistência à estagnação dos sentidos, à estandardização da sensibilidade. Numa sociedade em que o comportamento vai se tornando muito estandardizado, muito habituado, com a repetição das mesmas formas e fórmulas, a poesia vai se tornando mais do que nunca necessária porque é justamente a fresta por onde você sai um pouco dessas regras de consciência e de sensibilidade.” (2018)
Referências
O QUÊ. Intérprete: Titãs. Compositor: Arnaldo Antunes. In: Cabeça Dinossauro. WEA, 1987. Disponível em: <https://www.arnaldoantunes.com.br/o-que>. Acesso em: 07 jul. 2023.
ANTUNES, A. O Quê. In: Psia. São Paulo: Iluminuras, 2001.
COM a palavra, Arnaldo Antunes. Direção: Marcelo Machado. São Paulo: Marcelo Machado Produções Artísticas Ltda. EPP, 2018. Disponível em: <https://tamandua.tv.br/filme/?name=com_a_palavra_arnaldo_antunes>. Acesso em: 07 jul. 2023.
ARNALDO, sessenta. Direção: Ricardo Calil; Gian Carlo Bellotti; Fellipe Awi. Rio de Janeiro: Globoplay, 2020. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/arnaldo-sessenta/t/ZzYKmtZjNb/>. Acesso em: 07 jul. 2023.
[1] A composição foi originalmente gravada em 1987 no álbum Cabeça Dinossauro, estando também disponível e regravada em diversos outros álbuns:
Wea Collection Titãs 84 94 Um e Dois, Titãs, WEA, 1994
Melhor dos Titãs/2 é Demais, Titãs, WEA, 1996
13 Anos de Rock no Brasil 1, Titãs, WEA, 1995
Gente de Festa, Margareth Menezes, WEA, 1995
E-Collection, Titãs, WEA, 2000
O Essencial dos Titãs - Volume 2, Titãs, WEA, 2001
Warner 30 anos - Titãs, Titãs, WEA, 2006
Ao Vivo No Estúdio, Arnaldo Antunes, 2007
A_AA, Arnaldo Antunes, 2012.
[2] Cf.: www.arnaldoantunes.com.br.
[3] A seleção extraída dos documentários citados e sua divisão em títulos foram realizadas por Daniela Viola, Raquel Guimarães e Virgínia Carvalho, da Equipe Editorial de Derivas Analíticas, com a importante contribuição de Sérgio Laia, diretor da EBP-MG. A imagem de Arnaldo Antunes foi extraída de suas redes sociais, também com sua gentil autorização.