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EDITORIAL

 

Aqui está o número 19 de Derivas Analíticas, Revista Eletrônica de Psicanálise e Cultura da Seção Minas Gerais da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP-MG). Com entusiasmo, buscamos situar a interface entre psicanálise e cultura a partir da perspectiva lacaniana em “Função e Campo da Fala e da Linguagem”: um psicanalista precisa estar à altura da subjetividade da época, sem se deixar arrastar na Babel que a caracteriza, pois sua função é a de intérprete na discórdia das línguas.

Este número começou a ser pensado em um momento delicado para a democracia brasileira e que teve seu ápice na invasão e depredação das sedes dos três poderes da República, no dia 8 de janeiro de 2023. Realidade paralela? Delírio coletivizado? Loucura generalizada? – perguntava-se, no Brasil.

Lacan, em 1978, em “Transferência para Saint Dennis?”, inspirando-se em Freud, já afirmava: “todo mundo (se tal expressão pode ser dita) é louco, ou seja, delirante”. Dar sentido ao mundo, tentar ordená-lo, é delirante. Então, “todo mundo é louco”, e essa é a formulação para a qual o Campo Freudiano e as Escolas da Associação Mundial de Psicanálise (AMP) têm se voltado, rumo a seu próximo Congresso em 2024, a partir de um argumento lançado por Jacques-Alain Miller.

Neste número, Ana Lydia Santiago, em “Orientar-se pelas expressões ordinárias de desordem do sentimento de vida”, texto que abre a seção Mathesis, chama nossa atenção para o fato de que, se toda ordenação do mundo é delirante, “o que diferenciaria o delírio de cada um é a maior ou menor vulnerabilidade para tal ordenação simbólica se desarranjar”. Na psicose, esse desarranjo pode se dar de modo ordinário, em pequenos e imperceptíveis detalhes, ou de modo extraordinário, com a presença de fenômenos elementares e do delírio. Seu texto nos apresenta uma importante orientação, a partir da clínica: “diante de uma desordem na ‘junção mais íntima do sentimento de vida’, a direção do tratamento consistiria em conectar todos os pequenos detalhes que aparecem distantes uns dos outros em uma desordem central”.

Gustavo Dessal, em “Sobre o estatuto transclínico do delírio”, deu corpo aos nossos questionamentos, incitando-nos a pensar sobre “qual seria o caráter dessa identificação que possibilita coletivizar o delírio singular de um sujeito que começa a ter centenas ou milhões de seguidores”. Ele nos lembra que, embora em nossa época cada um esteja em seu próprio mundo, as tecnologias dos bolts tornaram possível o fato de que “cada vez mais há aqueles que se avançam sobre o mundo dos outros”.

Essa ideia dialoga com o texto de Jèrôme Lecaux, que enfatiza a indicação lacaniana, no Seminário 11, de que, no espetáculo do mundo, somos seres olhados. Em “A paranoia é uma ‘doença do Outro’”, ele nos convida a uma leitura da perseguição como um tratamento do gozo com o qual o lugar do Outro permanece contaminado na paranoia: “por não ter simbolizado um ponto de vista sobre si mesmo, o olhar retorna no real como perseguição”.

O texto de Miguel Antunes nos transporta aos Sertões, contribuindo com o debate sobre a coletivização do delírio. “Por que Antônio Conselheiro foi parar na história e não no hospício?” é o título de seu trabalho. Na peregrinação desse “beato, ‘enviado por Deus’”, agregaram-se milhares de seguidores, demonstrando-nos como foi acolhida sua maneira de ordenar o mundo, o que culminou na Guerra de Canudos, em 1896. Em sua errância, Conselheiro encontrou um importante enlaçamento, o que parece ter sido propício ao “longo percurso de trabalho de sua psicose”.

Na seção Aquele Texto, podemos reler “O delírio de normalidade”, de Éric Laurent, surpreendendo-nos com a atualidade das questões colocadas há mais de quinze anos. Dentre elas: “será que na tentativa de seduzir o mestre não terminamos nós mesmos seduzidos por essa nova figura do discurso do mestre, um mestre munido de novos ideais contemporâneos?”. Laurent já anuncia ali que afirmar “todo mundo é louco” não significa que todos são psicóticos ou que a clínica estaria enlouquecida, mas, sim, que não há possibilidade de uma norma comum. O sintoma de cada um faz um obstáculo ao laço social e, a partir daí, Laurent também nos convida a situar a psicanálise como um laço social entre analisantes.

Na seção Você disse contemporâneo?, temos um texto produzido a partir da entrevista com a escritora, artista e arquiteta Beatriz Magalhães, que nos apresenta o trabalho realizado por Geraldo Alves, Antônio e Nondas, três andarilhos da cidade de Belo Horizonte. As belíssimas imagens que compõem o número 19 são o registro do olhar de Beatriz sobre a poesia que encontrou nas ruas da cidade, escritas no chão e nos muros em giz branco, montadas com resíduo urbano ou amarradas nos postes da cidade, tudo isso em uma composição com os letreiros e cartazes. Beatriz se interessa por poetopos, a “cidade tomada como lugar da poiesis, da criação” e dá dignidade poética ao trabalho detalhado dos andarilhos com os quais se encontrou: trabalho de ordenar, significar e assentar o mundo. Em “Errância e amarrações: o que nos ensinam os andarilhos”, somos convidados a ler esses detalhes do olhar de Beatriz Magalhães sobre o que ela considera como a poesia concreta mais radical. Um ensinamento sobre o delírio e o coletivo.

Na seção Resenhas, etc. e tal, temos uma entrevista sobre “Delírios”. Esse título, no plural, faz alusão ao tema do Primeiro Seminário do Workshop do Campo Freudiano em Londres, sob direção de Jacques-Alain Miller, ocorrido entre 2022-2023, e abordou os Delírios de Perseguição, Delírios de Interpretação, Delírios Schreberianos, Delírios de Erotomania, Delírios de Grandeza, Delírios de Autoacusação e Delírios de Ciúmes. Entrevistamos o Comitê responsável pela organização: Gabriela Van den Hoven, Susana Huler, Peggy Papada e Philip Dravers. Eles nos convidam a retomarmos a ideia freudiana de que o delírio é uma solução, sem que isso signifique que tenhamos que fazer parceria com ele. “Estar ao lado” do sujeito que delira, levando em consideração que deliramos também, não significa apagar as “diferenças entre os delírios psicóticos e os delírios cotidianos que temos”. Afinal, “Lacan não disse que ‘todo mundo é normal’”.

E, como nos diz o poeta Arnaldo Antunes, “a estranheza é fundamental”. Para ele, “inserir uma loucura é inserir uma diferença, uma sensibilidade, um dado inusitado, uma surpresa, uma informação nova”. Nesse sentido, a poesia, essa brincadeira com a linguagem, é “necessária”. Muito amavelmente, ele nos concedeu a possibilidade de veicularmos na Derivas Analíticas seu poema “O quê” em letra, imagem e voz.  

É fato que deliramos. Esperamos que os caríssimos leitores de Derivas Analíticas encontrem nesse número alguns pontos de estranheza, de surpresa e de sensibilidade. Nosso convite é o de que vocês possam, numa leitura do detalhe, experimentar essa edição como uma conversa dos artigos entre si. Que encontrem a interface entre psicanálise e cultura e se sirvam desses grandes intérpretes que nos presentearam, com seu trabalho, possibilidades para novas invenções.

Aproveitamos este Editorial para agradecer a cada um(a) que nos autorizou a publicação de seus textos e trabalhos. Também somos grato(a)s ao acolhimento recebido do Conselho Editorial da EBP-MG e à orientação marcante recebida de Sérgio Laia que, com outro(a)s colegas, compõe a atual Diretoria da EBP-MG. Por fim, obrigada a Musso Greco que, com sua equipe, conduziu os quatro números anteriores de Derivas Analíticas e acompanhou-nos na transição para a atual Equipe Editorial, e a Ram Mandil, que fez parte do Conselho anterior e, gentilmente, nos ofereceu suas contribuições.  

 

Equipe Editorial

Virgínia Carvalho (Coordenação)

Daniela Viola
Ludmilla Féres
Miguel Antunes
Raquel Guimarães
Vinícius Lima

Revisão: Sílvia P. Barbosa

Conselho Editorial da EBP-MG

Andrea Eulálio
Elisa Alvarenga
Frederico Feu
Maria Wilma Faria
Jorge Pimenta
Lázaro Elias Rosa
Virgínia Carvalho

Diretoria da EBP-MG

Sérgio Laia (Diretor Geral)
Ludmilla Féres (Diretora Adjunta)
Mônica Campos (Diretora Secretária - Tesoureira)
Anamáris Pinto (Diretora Adjunta Secretária –Tesoureira)
Gilson Iannni (Diretor de Biblioteca)
Márcia Mezêncio (Diretora de Cartéis e Intercâmbios) 

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