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EDITORIAL

Cadernos de Africa (Africa Notebooks) , 2013– em andamento, detalhe da vista de instalação no ICA, Londres. 
Cortesia: artista e Mendes Wood, São Paulo; fotografia: Mark Blowe
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"Deus sempre nos julga pelas aparências? Suspeito que sim”. Com essa epígrafe de W. H. Auden, seu amigo e um de seus poetas favoritos, Hannah Arendt anuncia o primeiro capítulo de A vida do espírito − única de suas obras realmente concernente às atividades mentais (pensar, querer e julgar) −, que, longe de ser coincidência, se intitula "Aparência". Ainda nas primeiras páginas, Arendt afirma: "neste mundo em que entramos, surgindo do nada, e do qual desaparecemos no nada, Ser e Aparecer coincidem". Já Paul Valéry, falando sobre a barbárie e a ordem nas sociedades, apela às “forças fictícias” como necessárias ao processo civilizatório. Jacques-Alain Miller interpreta essas passagens da seguinte maneira: é como se tudo não passasse de um “teatro de sombras, ópera-bufa, cenografia de semblants, em que o real se esvai. Com efeito, o movimento da história dá mostras de que o Real ama o semblant”. 

A 18ª edição de DERIVAS ANALÍTICAS, de olho no momento político pelo qual passa o Brasil, quer convocar o leitor a interrogar os semblants, os que existem, os que escolhemos para viver, para gozar da maneira que nos convém. Quer pensar a convergência – não uma identidade − entre Ser e Aparência, vinculada à percepção do mundo pelo ser falante, ao verdadeiro e ao falso, ao que lhe pode ser atribuído, ao que se revela e ao que se oculta. Quer, enfim, destacar os sinais de uma formulação do Real que prescinde dos instrumentos da linguística, ou melhor, localizar – por meio de lampejos, evidentemente − na Psicanálise e na Cultura evidências de que o Real não está submetido apenas ao algoritmo do significante/significado e que se distingue tanto do sentido (Imaginário) quanto do saber (Simbólico). 

Agora, em um momento em que o Brasil passou por um processo eleitoral que mobilizou representações inéditas na nossa história quanto aos principais candidatos, em torno da mentira – base de toda propaganda difundida principalmente nas redes sociais pela direita contra quem é e pensa diferente −, resolvemos trabalhar na 18ª edição de DERIVAS ANALÍTICAS com o tema da aparência. Na Psicanálise, o termo que se refere à aparência, semblant, vem do francês e está vinculado aos discursos: é o que permite a construção de identidades. O ser humano, um ser de linguagem, cada vez que procura fixar-se apenas nas aparências, acaba sendo levado à irrupção de uma violenta desregulação. É isso que nos separa dos animais. Não é porque somos mais civilizados que somos homens, pelo contrário, é porque somos potencialmente excessivos, capazes de uma violência que pode quebrar tudo. Como responder ao fato de que a segregação e a violência foram colocadas em pauta por uma subversão sem precedentes? 

Trazemos para essa conversa os psicanalistas da EBP e AMP Célio Garcia (Notas sobre a verdade e a pólitica), Márcia Rosa (Mais além da nudez da rainha), Laura Rubião (O semblant e sua ruptura: as nuvens em Lituraterra), Jésus Santiago (A ética do solteirão), Helenice Saldanha de Castro (O bom uso do semblant) e Héctor Garcia de Frutos (Do claro e do escuro), a psicanalista, doutora em Psicanálise e professora nos cursos de psicologia, moda e cinema no Centro Universitário UNA Iza Haddad (Plissados, por favor!), o doutor em Ética e Filosofia Política, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará e da Universidade Estadual do Ceará Lucas Barreto Dias (Semblância e a propaganda totalitária em Hannah Arendt) e um texto da nossa Equipe Editorial sobre o livro Em louvor da sombra, de Junichiro Tanizaki

Além de textos sobre véus, sombras e máscaras, verdades e mentiras, empreendemos, como em todas as edições, uma investigação no campo da Arte, agora apresentando imagens da obra de Gauri Gill, fotógrafa indiana com reconhecimento internacional, mais especificamente por seu trabalho Atos de Aparência. Suas ações, interessadas no contrato social da fotografia, são importantes expressões de resistência diante do tempo, do lazer, do prazer, das esperanças, dos medos e do futuro, propagando a expressão de existências subalternas dentro dos Estados indianos rurais, mesmo quando denotam criticamente um desequilíbrio fundamental em sua própria existência. Sua prática opera em um nível de superfície que se abre para um conjunto vital e efêmero de relacionamentos, que levam sua fotografia a conter muito mais do que retrata diretamente. Quem também comparece, Nu – com sua máscara −, é Zeca Baleiro, artista eclético da música brasileira, que nos brinda com sua pluralidade rítmica, sua intertextualidade e sua ambiguidade metalinguística, para nos fazer discernir (ou confundir?) o Real a partir do semblant da letra.

Esta equipe editorial aqui se despede, depois de um período de ricas discussões e pesquisas – oportunidade pela qual agradecemos à Escola Brasileira de Psicanálise −, desejando aos novos editores boa sorte na condução de DERIVAS ANALÍTICAS.  

Editor:
Musso Greco 

Equipe editorial:
Bárbara Afonso

Cristiane Barreto
Frederico Feu
Gilson Iannini
Olívia Viana 

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